quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Actualizações 3 - O dia em que fui á manif pela Luta pelo financiamento ao teatro e à dança


No dia que cheguei, fui a um ensaio da Companhia onde os meus amigos trabalham e através da qual os conheci em Portugal, quando foram participar num festival. É uma companhia de dança-teatro e têm um trabalho bonito sobre a cidade e sobre a forma como as pessoas se relacionam com a cidade e como o corpo se relaciona com o meio envolvente. Demoraram uns anos a afirmarem-se, como qualquer outra companhia. Bem, no Brasil, como também em muitos outros países as lutas com os governos sobre direitos dos trabalhadores, acesso á cultura e apoio á arte, são feitas nas ruas, com manifestações e palavras de ordem, cartazes e muito barulho.
Logo depois do ensaio (no dia em que cheguei), os integrantes da companhia falavam sobre a passeata que ía acontecer na segunda feira seguinte, interessei-me pela coisa e perguntei sobre o que se tratava, então ao que parece o Perfeito da cidade de São Paulo (que é a quem compete atribuir financiamento a quem produz ou tenta produzir arte e cultura) resolveu modificar a Lei do Fomento á Dança e ao Teatro. Assim sendo os artistas-bailarinos-actores-coreógrafos-encenadores-produtores-trabalhadores de teatros juntaram-se para lutar contra aquilo que acreditam ser um desrespeito pela classe, pela arte, pela cultura e pelo povo Brasileiro enquanto público. Pareceu-me bem! Para mais também sou actriz, tornei-me solidária acto imediato e decidi ir também á passeata (manifestação em Português de Portugal).
E fui. Mesmo com o aviso de que a coisa podia meter policia, na pior das hipóteses teria de correr e fugir ou fingia-me uma turista apanhada no meio da multidão ou então vestiria a camisola e lutaria, afinal se sou actriz deve servir para alguma coisa tantos anos de improvisação e de Teatro do Oprimido.
Chegámos (eu e o meu amigo da Companhia Artesãos do Corpo), sentimo-nos um pouco desiludidos, estava meia dúzia de gatos pingados; bem, talvez não meia dúzia, mas não eram mais de 30 pessoas de certeza... é pouca gente para uma passeata. Havia alguns cartazes, e pessoas a encherem bexigas (balões em Português de Pt), mas nada significativo. Aos poucos lá foi chegando mais gente, uns sozinhos outros em grupo, uns com cartazes, outros com apitos, e um grupo cheio de batuques e tambores e um cabeçudo! Uau! que lindo!!! e um carro com microfone e colunas poderosas!!! eheheheh! afinal a coisa vai pegar!
Hora marcada, 10h30 da manhã, em frente ao Teatro Municipal, saída para a Prefeitura de São Paulo, uma rua mais á frente (nova desilusão, pensava eu que ia conhecer um pouco de São Paulo numa passeata pelo fomento ao teatro e á dança...), mas valores mais altos se levantam e a voz também, porque o Perfeito tem de saber que chegámos e aquilo por que lutamos!!! Gritamos, apitamos, batemos palmas e batuques e tambores e cantamos e faz um calor...
O representante da manifestação é recebido e entra na Prefeitura (achei bonito, mas só depois fiquei a saber que tinha uma reunião marcada). Segue-se a espera para saber o resultado da reunião. Entre calor, uma dentada numa maçã, água, livros oferecidos e vontade de fazer xixi, mantive-me fiel a esta manifestação que trava uma luta que não é minha, mas que eu sentia como tal e na verdade era como se fosse. A Cultura é universal, é o que nos liga ao Mundo, é o que nos liga ao Humano, é o que nos liga aos Outros, assim sendo, Sim é uma luta também minha e mantenho-me aqui a fazer barulho, para que o Kassab (prefeito de São Paulo) saiba que os artistas de São Paulo estão unidos e que lutarão mesmo depois que a voz lhes doa!!!

Chega de Baixaria! Cultura não é Mercadoria!

O representante vem á janela e acena para o grupo que devia ser de 200 ou 300 pessoas (sou péssima com números), não percebi muito bem o que significava aquele gesto, mas voltei a fazer barulho como todos, de novo, depois de um breve esmorecimento. E de repente o representante está cá em baixo á minha frente a dizer que a reunião tinha corrido bem, e uma multidão de gente a formar-se à minha volta, e o senhor de microfone na mão a explicar o que tinha acontecido, as coisas com as quais o Perfeito tinha concordado, as outras com que não (e eu sem perceber nada do que ele estava a falar), mas que no fim tinha tido um balanço positivo e que agora tinham de entregar não sei o quê, não sei onde e que ia ser uma marcada uma nova reunião com não sei quem, não sei quando.
E pronto, é isto. (pensei eu na minha ingenuidade) Vamos embora. Não!!! Vamos á Galeria Olido, continuar a passeata, porque vão lá ser recebidos também por náo sei quem (acho que era uma espécie de secretário de estado-vereador da cultura). Viva! Afinal a passeata continua. Mas não por muito tempo, nesta cidade enorme estas coisas são todas umas ao lado das outras (ponto de interrogação). Ficámos na entrada, é um prédio grande, que no piso térreo tem uma galeria onde há um banco, um balcão de turismo e outras coisas, mas o importante é que ficámos na rua uns minutos, até que começamos a invadir aquele espaço que há partida só acolhe actividades (culturais e artísticas) programadas. Senti-me a infringir a lei, que nem era a lei do meu país, que eu nem sabia se era lei ou não, mas sentir-me a quebrar esta regra foi delicioso. Fizémos muito barulho, batucou-se, cantou-se, apitou-se, dançou-se e aquele espaço era nosso. e voltámos a esperar, muito. Mais uma reunião. E finalmente, o resultado chegou, não percebi nada (tinha fome, sede e ainda muito xixi - já não conseguia concentrar-me), apenas senti que as pessoas não estavam contentes, que não tinha tido os resultados que elas queriam e estavam a convocar uma reunião extra-ordinária da Cooperativa (aqui os artistas tem uma cooperativa, uau!!!). Ficou marcada. Eles vão. Eu não. Já fiz a minha parte, não estou aqui a trabalho, estou de férias, já está de bom tamanho a minha participação enquanto artista nesta luta política do lado de cá do Oceano.

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